Revista Época

 

 

Edição 466 – 24/04/2007

 

O Real forte: quatro hipóteses e uma má notícia

Gustavo H. B. Franco

 

O câmbio “valorizado” tornou-se novamente um grande problema. A repetição é perturbadora, pois sugere recorrência. Como explicar? Será que não aprendemos, ou será algo que escapa ao controle das autoridades?

Existem pelo menos 4 hipóteses para explicar o câmbio valorizado: A) Trata-se de artificialismo, ou populismo devido a atos e omissões do Banco Central; B) Trata-se de excessivo de conservadorismo na fixação dos juros decorrente de condições fiscais precárias; C) Trata-se de circunstâncias excepcionalmente favoráveis na economia global; e D) Trata-se de decorrência natural de melhores fundamentos na economia, portanto, não é circunstancial, mas tendencial.

Não é fácil escolher sua hipótese favorita, ou combinação delas, cartas para a redação. Note-se que eram as mesmas 4 hipóteses cogitadas quando se discutia a o episódio anterior de valorização cambial em 1993-99, sendo que, naqueles dias, os economistas hoje no governo defendiam ardentemente a hipótese A, davam alguma relevância para B e C, e descartavam D como explicação “chapa branca”.

Hoje, diante das 4 hipóteses, o conjunto dos economistas pensa bem diferente. Muito pouca gente acredita na hipótese A, a começar pelos seus defensores no passado, o Ministro da Fazenda incluído. A hipótese B tem muitos adeptos, mas vem perdendo popularidade uma vez que a situação fiscal hoje é bem melhor que em 93-99, e o nível de taxa de juros, afinal, já está no menor patamar em sei lá quantos anos. Os economistas estão divididos sobre a importância do diferencial de juros para explicar as entradas de capital, que, aliás, só estão mesmo volumosas em áreas onde os juros não têm muita importância (investimento em ações de empresas brasileiras, por exemplo).

Não há dúvida que a explicação C é a dominante, e não exatamente em razão da conta de capitais, mas por conta do preço das commodities.  Falou-se em “Doença Holandesa”, lembrou-se da época em que se dizia que “o câmbio era o café”(quando os preços eram bons, as safras eram fortes, sobrava câmbio), mas novidade mesmo é a reabilitação da explicação D, principalmente a partir da consciência, cada vez mais generalizada, que os efeitos de o país atingir o chamado “grau de investimento” já estão sendo antecipados pelo mercado. Sim, estamos em um processo incremental e convergente de melhora de fundamentos (sem comentários sobre a real contribuição deste governo para esta evolução, exceto a recomendação de um clássico do cinema, Forrest Gump), e ao longo deste caminho vamos ter o “grau de investimento” e fortalecimento da moeda conforme aconteceu com 10 de 10 países emergentes que se “graduaram” para a condição de países desenvolvidos. Quem não se lembra do tempo em que Itália, Espanha e Portugal eram países “baratos”? Países de moeda mal administrada e fraquinha?

Se este é o nosso futuro, e não há razão para supor que não seja, a conclusão é que a hipótese D terá importância crescente na explicação para a força do Real e que o dólar barato, ou o Real forte, veio para ficar. Para muita gente uma má notícia. Claro que vai haver flutuação, novidades, mudanças, a economia global é muito dinâmica, e as circunstâncias excepcionais de hoje podem mudar. Mas a tendência parece definida e inexorável: se houver progresso, e vai haver, a moeda vai se fortalecer.

Por isso, mais uma vez, ressurge o tema das reformas, ainda que meio torto por que o governo se sente pressionado pelas empresas que estão sofrendo com o câmbio para que tome alguma providência. O fato é que já se houve falar novamente em desoneração tributária, e surgem espontaneamente experimentos importantíssimos no terreno trabalhista (a expressão “CLT-Flex” vem ganhando mais e mais popularidade). Sim, seriam extremamente bem vindas quaisquer providências, para usar a linguagem do governo passado, no sentido de “reduzir o custo Brasil”.

Sabemos que o atual governo tem restrições ideológicas a essas coisas. Mas sabemos também, a julgar pelas políticas macroeconômicas, que o governo não dá nenhum valor a essas restrições quando a necessidade efetivamente se apresenta.

 

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GUSTAVO H. B. FRANCO é economista e professor da PUC-Rio. Foi Presidente do Banco Central do Brasil.