O Real forte: quatro hipóteses e uma má notícia
Gustavo H. B. Franco
O câmbio “valorizado” tornou-se
novamente um grande problema. A repetição é perturbadora, pois sugere
recorrência. Como explicar? Será que não aprendemos, ou será algo que escapa
ao controle das autoridades?
Existem pelo menos 4 hipóteses
para explicar o câmbio valorizado: A) Trata-se de artificialismo, ou
populismo devido a atos e omissões do Banco Central; B) Trata-se de excessivo
de conservadorismo na fixação dos juros decorrente de condições fiscais
precárias; C) Trata-se de circunstâncias excepcionalmente favoráveis na
economia global; e D) Trata-se de decorrência natural de melhores fundamentos
na economia, portanto, não é circunstancial, mas tendencial.
Não é fácil escolher sua
hipótese favorita, ou combinação delas, cartas para a redação. Note-se que
eram as mesmas 4 hipóteses cogitadas quando se discutia a o episódio anterior
de valorização cambial em 1993-99, sendo que, naqueles dias, os economistas
hoje no governo defendiam ardentemente a hipótese A, davam alguma relevância
para B e C, e descartavam D como explicação “chapa
branca”.
Hoje, diante das 4 hipóteses, o
conjunto dos economistas pensa bem diferente. Muito pouca gente acredita na
hipótese A, a começar pelos seus defensores no passado, o Ministro da Fazenda
incluído. A hipótese B tem muitos adeptos, mas vem perdendo popularidade uma
vez que a situação fiscal hoje é bem melhor que em 93-99, e o nível de taxa
de juros, afinal, já está no menor patamar em sei lá quantos anos. Os
economistas estão divididos sobre a importância do diferencial de juros para
explicar as entradas de capital, que, aliás, só estão mesmo volumosas em
áreas onde os juros não têm muita importância (investimento em ações de
empresas brasileiras, por exemplo).
Não há dúvida que a explicação
C é a dominante, e não exatamente em razão da conta de capitais, mas por
conta do preço das commodities. Falou-se em “Doença Holandesa”, lembrou-se
da época em que se dizia que “o câmbio era o café”(quando
os preços eram bons, as safras eram fortes, sobrava câmbio), mas novidade
mesmo é a reabilitação da explicação D, principalmente a partir da
consciência, cada vez mais generalizada, que os efeitos de o país atingir o
chamado “grau de investimento” já estão sendo antecipados pelo mercado. Sim,
estamos em um processo incremental e convergente de melhora de fundamentos
(sem comentários sobre a real contribuição deste governo para esta evolução,
exceto a recomendação de um clássico do cinema, Forrest
Gump), e ao longo deste caminho vamos
ter o “grau de investimento” e fortalecimento da moeda conforme
aconteceu com 10 de 10 países emergentes que se “graduaram” para a condição
de países desenvolvidos. Quem não se lembra do tempo em que Itália, Espanha e
Portugal eram países “baratos”? Países de moeda mal administrada e fraquinha?
Se este é o nosso futuro, e não
há razão para supor que não seja, a conclusão é que a hipótese D terá
importância crescente na explicação para a força do Real e que o dólar
barato, ou o Real forte, veio para ficar. Para muita gente uma má notícia. Claro
que vai haver flutuação, novidades, mudanças, a economia global é muito
dinâmica, e as circunstâncias excepcionais de hoje podem mudar. Mas a
tendência parece definida e inexorável: se houver progresso, e vai haver, a
moeda vai se fortalecer.
Por isso, mais uma vez,
ressurge o tema das reformas, ainda que meio torto por que o governo se sente
pressionado pelas empresas que estão sofrendo com o câmbio para que tome
alguma providência. O fato é que já se houve falar novamente em desoneração
tributária, e surgem espontaneamente experimentos importantíssimos no terreno
trabalhista (a expressão “CLT-Flex” vem ganhando
mais e mais popularidade). Sim, seriam extremamente bem vindas quaisquer
providências, para usar a linguagem do governo passado, no sentido de “reduzir
o custo Brasil”.
Sabemos que o atual governo tem
restrições ideológicas a essas coisas. Mas sabemos também, a julgar pelas
políticas macroeconômicas, que o governo não dá nenhum valor a essas
restrições quando a necessidade efetivamente se apresenta.
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GUSTAVO H. B. FRANCO é economista e professor da PUC-Rio. Foi Presidente do Banco Central do Brasil.
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